Os impactos da emergência em saúde pública de importância internacional (COVID-19) nas parcerias público-privadas com a suspensão dos investimentos

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Por Fernando Afonso Marques de Melo

Crédito de imagem: Steve Buissinne por Pixabay.

A existência de parcerias público-privadas no Brasil torna-se cada vez mais recorrente nas diversas esferas de governo. Em ambientes em que geralmente a atuação do poder público revela-se pouco eficiente, as PPP’s (sigla que designa as parcerias público-privadas) se ajustam com a finalidade precípua de permitir que particulares desenvolvam serviços eminentemente públicos, aumentando a qualidade e satisfação dos usuários em geral.

O marco legal das parcerias público-privadas no Brasil é a lei 11.079/2004 que institui as normas gerais da referida modalidade de contratação no âmbito da administração pública. Para fins da referida norma, a PPP se instrumentaliza através de um contrato administrativo. Assim, está o mesmo sujeito aos princípios e normas inerentes à administração pública, ocorrendo a presença de alguns elementos de direito civil, especialmente, as diretrizes relacionadas às cláusulas contratuais.

Segundo ao artigo 5º da lei 11.079/2004, as cláusulas contratuais devem prever a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária. Logo, exige-se como elemento formal do contrato de parceria, a previsão expressa de que na ocorrência das situações listadas as repercussões econômicas sobre o contrato deverão ser distribuídas entre os contratantes. Nessa perspectiva, é possível questionar se o atual quadro econômico enseja a suspensão dos investimentos previstos nas parcerias público-privadas.

Antes de mais nada, assenta-se que quando da contratação entre uma empresa e o poder público, para que aquela desenvolva o objeto da concessão, aspectos como os investimentos e a forma de execução são analisados e conduzem ao interesse da empresa em participar da licitação. Logo, nenhuma empresa buscará atuar em um serviço público se não vislumbrar no mesmo a possibilidade de lucro. Afinal, este é um dos objetivos da atividade empresária. Desse modo, é certo afirmar que inúmeros fatores são levados em conta para que determinada parceria público-privada seja viável.

Dentre esse conjunto de fatores, sustentamos que a ocorrência de um quadro de pandemia nos moldes ora suportados pela coletividade, não foram previstos. As determinações sanitárias relacionadas ao confinamento e fechamento de várias atividades comerciais não poderiam serem antevistas em procedimentos licitatórios relacionados às PPP’s. Impende ressaltar o elevado grau de imprevisibilidade e, portanto, as repercussões econômicas incidentes sobre o contrato que não podem ser atribuídas somente ao poder público ou somente ao contratado/parceiro.

A partir do quadro exposto, é possível concluir pela aplicação do artigo 5º, III da lei 11.079/2004. Assim, revela-se cabível a suspensão de investimentos relacionados ao contrato de parceria público-privada. Como assenta Mello (2012) os casos provenientes das situações caracterizáveis como imprevisíveis podem ser divididos entre os parceiros, se esta é a determinação legal.

Ora, em alguns contratos de PPP’s encontra-se disposta a previsão de que ao longo do prazo de concessão, o parceiro (particular) deverá realizar investimentos com a finalidade de aprimoramento do serviço concedido. Imagine-se, portanto, uma PPP voltada para a concessão de um terminal rodoviário. A mesma firmou-se pelo período de 20 anos, devendo anualmente ocorrerem aportes relacionados à investimentos em infraestrutura. Com o quadro inaugurado pelo surto da COVID-19, algumas unidades da federação ou interromperam em parte o fluxo de ônibus ou diminuíram consideravelmente sua circulação, com a finalidade de minimizar as aglomerações e riscos de contágio. Assim, inegavelmente o fluxo de passageiros diminuiu, impondo também uma redução do faturamento. Conclui-se que no tocante à realização dos investimentos, exigir que os mesmos continuassem a serem feitos, repercutiria negativamente sobre o parceiro. Exigir contraprestação (continuidade do investimento) diante de um quadro econômico desfavorável, conduziria a um agravamento das condições econômicas da contratada.

Ainda, a suspensão dos investimentos diante de uma situação totalmente imprevisível para os envolvidos, não importa em prejuízos para o poder público concedente. Afinal, com o retorno das atividades os serviços continuarão a serem prestados, as rendas oriundas de sua prestação voltarão à normalidade e o cumprimento do contrato poderá ser continuado. Destaca-se que a defesa da suspensão dos investimentos, deve ser vista caso a caso e levando em conta as condições do serviço público. Devem ser preservados os investimentos relacionados à continuidade e manutenção do serviço, quando verificado que a ausência de aportes por parte do parceiro pode conduzir a um quadro de comprometimento da própria prestação. Por outro lado, a continuidade dos investimentos em serviços que apresentaram significativa redução de fluxo dos usuários ou que não impliquem no seu funcionamento adequado, pode ser objeto da suspensão ora defendida.

Portanto, a emergência em saúde pública de importância internacional pode ser vista como um fato ensejador de interferência sobre os contratos das parcerias público-privadas nos moldes do artigo 5º da lei 11.079/2004. Especificamente quanto aos investimentos, tendo em conta que alguns serviços públicos se encontram com considerável diminuição do fluxo de usuários, revela-se justa a suspensão dos investimentos que não conduzam ao comprometimento da atividade como um todo ou prejudiquem o desenvolvimento da mesma.

Referências

BRASIL. Lei 11.079 de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm. Acesso em 02 de maio de 2020.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

Sobre o autor:

Fernando Afonso Marques de Melo é Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Piauí e Mestrando em Direito, Democracia e Conflitos Socioeconômicos pela Universidade Federal Rural do Semi- Árido — UFERSA.

O blog da Revista Direito, Estado e Sociedade publica textos de autores convidados. As opiniões expressas nesses posts não representam, necessariamente, a opinião do periódico e de sua equipe editorial.

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Revista organizada, desde 1991, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, com o objetivo de divulgar intervenções interdisciplinares e inovadoras.

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