Os Dois Lados da Informação: a COVID-19 na era da fake news

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Por Luana Angelica Merlis Pereira

Créditos de imagem: Cottonbro (Pexels)

Para a qualidade de qualquer discussão é de máxima importância contextualizar, ou seja, entender o panorama, o momento histórico e as condições em que se deram o objeto do debate. Caso a discussão atinja o mundo jurídico, igualmente fundamental o conhecimento da norma vigente no momento do que será discutido, ou seja, a “lei que vale”. Isto porque “o direito reflete a sociedade, especialmente as formas de interação e os valores predominantes”[i].

Pois, bem, a vida em sociedade é marcada por interações, nos relacionamos diariamente com nossos pares em todos os lugares. Neste sentido, a linguagem é um forte instrumento de comunicação humana, e assim, quando utilizamos da linguagem para nos comunicarmos com outro ser humano, estamos interagindo socialmente com este ser. Quando nos comunicamos com o intuito de entendermos uns aos outros, estamos praticando o que o estudioso de nome Jurgen Habermas chamava de racionalidade comunicativa[ii].

Em que pese possuirmos a linguagem como meio e a racionalidade como capacidade de nos comunicarmos, desde os primórdios da humanidade, a sociedade se apresenta truculenta, sem diálogo. Ademais, com o desenvolvimento tecnológico, novas formas de comunicação surgiram em uma velocidade jamais pensada, através de aparelhos eletrônicos conseguimos tomar conhecimento instantaneamente de algo que aconteceu do outro lado do mundo.

Passamos por diferentes períodos históricos até chegarmos a atualidade, onde os meios de comunicação se tornaram mais eficazes, os transportes mais rápidos, a tecnologia permitiu uma globalização que significou, sobretudo, interação. O intercâmbio de informações entre povos de diferentes culturas hoje alcança um nível que talvez os antigos nunca tenham imaginado.

Nutrimos a ideia de que estamos protegidos pela lei, pelo Direito e pela razão, ignorando o fato de que grandes crimes contra a humanidade já foram cometidos na presença da lei e do direito[iii].

Eis que vem á tona algo que não podemos tratar como “se”, mas “quando” iria ocorrer, uma guerra biológica com um inimigo invisível, a pandemia da COVID-19 que mudou sobremaneira o dia-a-dia de toda a comunidade mundial e fez nos sentirmos desprotegidos.

Sem a pretensão de esgotar o tema, nem sendo objeto da presente discussão abarcar a realidade de países estrangeiros, no Brasil, esta pandemia se insere em um contexto de conflitos ideológicos, desigualdades sociais e instabilidade política e democrática que geram a desconfiança das pessoas em acreditar na funcionalidade das instituições governamentais[iv].

Esta desconfiança é ainda fomentada pela eclosão daquilo que parece, se não o é, uma praga tão letal quanto o vírus SARS-COV-19: as chamadas fake news.

Em uma quantidade capaz de gerar conflito de informações e em uma velocidade a qual é difícil de frear, as fake News tem se mostrado fator agravante dos problemas já existentes, algo que o Direito não previu a tempo da pandemia, e cuja solução parece ser tão lenta quanto achar a cura ou o tratamento da doença viral.

O acesso à informação esta consubstanciado em nossa legislação precipuamente no artigo 5º, XIV e XXXIII (CF/88), que dispõe sobre o acesso à informação, princípio básico e necessário à participação cidadã. Como então frear a divulgação de informações falsas?

É o questionamento que coloco na presente reflexão.

Certo é que quanto ao assunto em voga, ainda não há de forma unificada uma “lei que vale”, ou que tenha efetividade, uma vez que ainda que existam mecanismos que possam tentar repreender a divulgação de fake News, este fenômeno parte de uma massa indiscriminada de pessoas que fogem à alçada do direito.

Na tentativa de combater as Fake News sobre saúde, recentemente o Ministério da Saúde, de forma inovadora, disponibilizou um número de WhatsApp para envio de mensagens da população. Vale destacar que o canal não é um SAC ou tira dúvidas dos usuários, mas um espaço exclusivo para receber informações virais, que serão apuradas pelas áreas técnicas e respondidas oficialmente se são verdade ou mentira[v].

Assim, temos os dois lados da comunicação: o acesso à informação como meio necessário para cuidado social geral e a possibilidade de recebimento e repasse de informação falsa, enganosa e prejudicial, com potencialidade de agravamento da situação social.

Certo é, que assim como os pesquisadores das ciências biológicas têm se debruçado à busca da cura e tratamento para a pandemia, os pesquisadores das ciências jurídicas e de comunicação também precisam trabalhar no combate do malefício cibernético do qual estamos sob ataque.

Referências

[i] CASTRO, Celso A. Pinheiro de. Sociologia aplicada ao direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

[ii] HABERMAS, Jurgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 20131989. 236 p. Tradução: Guido Antônio de Almeida.

[iii] MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

[iv] BUARQUE, Daniel. Crise democrática. 2015. Disponível em: <https://tab.uol.com.br/democracia/>. Acesso em: 20 maio 2017.

[v] <https://www.saude.gov.br/fakenews>

Sobre a autora:

Luana Angelica Merlis Pereira é Advogada, Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina — UEL. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdades Damásio Educacional. Membra do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (GPTC) — USP.

E-mail: luanamerlis@hotmail.com

Linkedin: https://www.linkedin.com/in/luana-angelica-merlis-pereira-a3b488160/

Instagram: @merlisluana

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Revista organizada, desde 1991, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, com o objetivo de divulgar intervenções interdisciplinares e inovadoras.

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