O uso de tecnologias na educação durante a quarentena
Por Katia Regina Vidal de Sousa
A escola é um espaço de promoção do ensino e da aprendizagem e um ambiente que se torna uma extensão da casa para as crianças. Para a maioria delas, o tempo com professores e cuidadores é bem maior do que o tempo em casa com a família, principalmente aquelas que estudam em período integral. A escola, então, nessa configuração atual, utiliza-se da tecnologia na tentativa de atenuar o distanciamento social, promover aprendizagem e fortalecer vínculos.
Nesse momento de pandemia em todo o mundo, tanto a escola quanto a família experimentam o novo. Alguns pais, que anteriormente dividiam os cuidados com os filhos, em turnos alternados, ou apenas em finais de semana, com contatos restritos ao acordar e a um tempinho antes de dormir, se veem em desespero para poder atender à demanda da criança, sem perder o controle e garantir o direito a educação, ao lazer e ao bem estar, num espaço físico reduzido.
A escola brasileira, que por sua vez tem resistido por décadas à adesão às tecnologias, por diversas questões sociopolíticas e econômicas (o que não irei abordar neste momento), precisa atualizar-se, reinventar-se e aprender o uso de ferramentas tecnológicas que já deveria dominar para conectar-se com as crianças e garantir-lhes um espaço de ensino e aprendizagem multicultural.
Vale então, ressaltar a necessidade da ampliação curricular desses profissionais da educação, oferecendo-lhes subsídios necessários para a aprendizagem e o uso das tecnologias como recurso indispensável, cada vez mais presente e futurista, com o propósito de romper modelos rígidos e possibilitar, em situações adversas, o ensino e aprendizagem às crianças brasileiras, ultrapassando barreiras.
De acordo com a Lei nº 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), a educação abrange diversas esferas, entre elas a familiar.
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações de sociedade civil e nas manifestações culturais.
A educação, a inteiração social e o lazer são direitos básicos que precisam ser garantidos. Então, os esforços conjuntos das escolas e dos familiares são necessários para que os direitos das crianças sejam minimamente garantidos. É verdade que toda a mudança exige sacrifícios, e, nem sempre, surge de forma pronta e acabada. Mas, uma comunicação saudável entre pais e escola, nesse momento de distanciamento social é extremamente importante para que sejam assertivas a ponto de facilitar o desenvolvimento educacional e diminuir o impacto do afastamento social.
É notório que grande parte dos pais já realizam diariamente suas funções profissionais através da internet, até mesmo em casa. Além disso, faz uso de aplicativos para realizar atividade física, leitura de ebooks, artigos, informativos, cursos online, conectar-se com amigos, parentes, colegas e etc. Isso significa que a criança também pode usar a tecnologia para o estudo, já que elas manipulam muito bem essas ferramentas, algumas vezes até de forma indiscriminada e sem monitoração para assistir, produzir e acessar conteúdos da Internet.
Refletir sobre a administração do uso das tecnologias é de suma importância, principalmente nessa nova configuração onde os espaços físicos são reduzidos, fator que corrobora com o aumento do número de pessoas que buscam conteúdos infantis, e aproveitam desse momento de pico de acesso indiscriminado para fazer novas vítimas. Então, todo cuidado é pouco!
De acordo com a Unicef — Fundo das Nações Unidas para a Infância (2020), os esforços restritivos para conter o ritmo de contaminação da Covid-19 mudou a vida de crianças e famílias em todo o mundo. Embora considerados necessários, o confinamento familiar estão atrapalhando as rotinas das crianças e o adicionando novas formas de estresse aos cuidadores. Dentro dessa perspectiva, a manutenção do contato virtual com a escola nesse momento serve também como rede de apoio e acolhimento para as mesmas.
Uma psicoeducação, é essencial! Para treinar os pais como monitorar os filhos, para ensinar as crianças a se proteger de abusos e orientá-las sobre o mau uso dos aparelhos, uma vez que estudos diversos apontam prejuízos físicos e psicológicos para quaisquer usuários. Então, cuidar da disposição ergonômica do movíeis, estipular rotinas, evitar o acesso noturno e o uso indiscriminado das tecnologias, contribuirá para a preservação do sono, da visão e para diminuir uma relação de dependência com aparelhos.
Um estudo da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, em Campinas (SP), concluiu que as crianças que usam aparelhos eletrônicos sem controle e não brincam, ou brincam pouco, no “mundo real” podem ter atraso no desenvolvimento. A pesquisa foi realizada com meninos e meninas de 8 a 12 anos de idade, que ficam de quatro a seis horas diante das telas de computadores, tablets, celulares e videogames (Meneghel, 2016).
Estabelecer uma rotina nova, saudável ainda que provisória, ajuda na adaptação e manutenção de um ambiente adequado para as crianças explorar com segurança as ferramentas, conectar-se, produzir e solidificar conhecimentos. Uma estratégia pedagógica comumente utilizada para estabelecer rotinas, consiste em criar cartazes com horários e atividades diárias para toda a família, respeitando a faixa etária de cada um. Esse método ajuda a dividir os afazeres do lar sem sobrecarregar apenas um dos familiares, também permite a administração do tempo dos pais com os filhos e ajuda a criança no desenvolvimento da percepção de organização, responsabilidade e resolução de problemas.
Em relação ao desenvolvimento educacional da criança, uma rotina de estudo e atividades bem direcionadas e planejadas de forma lúdica e criativa, com a presença da escola; ajuda na consolidação da aprendizagem e construção de redes de apoio que ajudará as mesmas a passar pelo isolamento social de forma mais assistida e produtiva pois, permite a manutenção do vínculo aluno/professor/colegas, ainda que virtualmente.
É sabido que a criança absorve tudo que a cerca, se as mudanças ocasionadas pelo isolamento criam sentimentos de medo, impotência, ou insegurança, as respostas fisiológicas e comportamentais ao estresse aparecem. A técnica de distração focal de(LEAHY, 2006), apresenta-se com um eficiente exercício para o cérebro, pois focar no problema não é uma alternativa saudável, o problema existe, precisa ser conhecido pelas crianças, mas, é recomendado que elas não se preocupem com a provisão, proteção.
O cérebro humano é inteligente, quanto mais você foca no problema mais ele cresce, diminuindo a capacidade criativa e resolutiva homem. Além de elevar os índices de cortisol, compromete a saúde psíquica do indivíduo. Por isso, enquanto as crianças são submetidas a uma rotina de estudos, atividades pedagógicas e lúdicas o cérebro recebe informações de manutenção de hábitos, cria conexões, consolida novos conhecimentos, sonha, viaja no imaginário e, consequentemente, mudam o foco.
A figura do professor nesse momento (claro que isso depende da reação empática e afetiva anteriormente estabelecida), aparece para as crianças como um modelo, um exemplo. Por isso, há no professor uma grande responsabilidade que excede a mera exposição de conteúdos programáticos, seu papel é mais amplo e humano que o conceito de ensino pode expressar, pois, conforme aborda Henri Wallon et al Tassoni e Martins (2018), todo aprendizado tem como ponto de partida a afetividade.
Os esforços coletivos são válidos para garantir os cuidados, a proteção, e a esperança para os pequenos. Assim como, para ensiná-los a utilizar de seus recursos para administrar tempos difíceis; para levá-los a compreensão de que os problemas surgem, mas, de que juntos conseguirão avançar e a produzir alternativas para minimizar dificuldades e viver da melhor forma possível. Sem, contudo, como aborda Papalia et al Piagett (2006), deixar de respeitar os estágios do desenvolvimento de acordo com cada faixa etária e o tempo útil para manuseio das tecnologias.
Não obstante, há que se acautelar com os excessos, pois, como dito no ditado popular que “Tudo demais é sobra”, os tempos difíceis requerem mudanças, mas requerem também o equilíbrio. É preciso, enquanto profissionais e responsáveis pela educação que escola, pedagogos e psicólogos reflitam sobre o uso da tecnologia pelo professor, sobre tudo da educação infantil e fundamental, não como mecanismo para descarregar conteúdo sem objetivos, na tentativa desenfreada de dar uma resposta a sociedade.
Ao contrário, o uso dos aplicativos, plataformas e mídias digitais servem antes de tudo como ferramentas disponíveis para comunicar, para fazer a conexão entre escola, família e alunos, promovendo um ambiente virtual útil para promover debates, descontração e é claro instigar o aprendizado e fazer do ócio um momento produtivo.
A tentativa proposta não é ocupação do tempo! Vivemos uma sociedade onde as pessoas acham que preencher o tempo é a melhor forma de evitar tédio, frustrações e entimentos de solidão. O tempo com você mesma não pode ser encarado como algo ruim. Não podemos duvidar que a criança precisa, assim como os pais, precisa de um momento para si mesma, para executar atividades que lhe acalmam, ou que relaxam e promovam bem-estar, respeitando a individualidade e peculiaridade de cada um, pois o momento de não fazer nada pode se tornar extremamente terapêutico, quando contribui para o aprimoramento da saúde mental.
Cabe então à escola, professores e familiares manter uma relação flexiva e reflexiva, partindo de questionamentos como: o que faz bem a criança? algo desagrada a criança ao acompanhar as atividades no espaço virtual?; e como esse espaço está sendo explorado?. Investigar se as crianças, os pais e a escola estão satisfeitos com a utilização de mídias virtuais e em quais pontos os eles podem aprimorar. Daí, será possível, a partir da dificuldade de cada um, buscar alternativas para promoção de um ambiente seguro, equilibrado onde todos são parceiros da promoção da educação e da vida.
Referências
LEI Nº 9.394, Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Presidência da República casa Civil. 20 de Dezembro de 1996. Disponível << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm >> Acesso: 16 de abril de 2020.
LEAHY, Robert L. Técnicas de Terapia Cognitiva — Manual do Terapeuta. Ed. Artmed 2006.
Meneghel, Ana Lúcia P. C. Uso de eletrônicos em excesso atrasa desenvolvimento infantil, diz Unicamp. G1. Globo.Com. Campinas, 16 de setembro de 2016. Disponível: <http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/09/uso-de-eletronicos-em-excesso-atrasa-desenvolvimento-infantil-diz-unicamp.html> Acesso: 21 de abril de 2020
PAPALIA, Diane E.; OLDS, W. Sally; FELDMAN, D. Ruth. Desenvolvimento Humano. 8ªed Porto Alegre: Artmed, 2006.
Tassoni, Elvira C. Martins; Leite,Sérgio A. S. Educação Afetividade no processo de ensino-aprendizagem: as contribuições da teoria walloniana. Porto Alegre, 2013 Disponível:<revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/download/9584/9417 de abr7>. Acesso: 17 de abril de 2020.
UNICEF. Covid-19 Crianças em risco aumentado de abuso, negligencia e violência a intensificaão das medidas de contenção. Nova Iorque, 20 de março de 2020. Disponível <https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/covid-19-criancas-em-risco-aumentado-de-abuso-negligencia-exploracaoBot >. Acesso: 21 de abril de 2020
Sobre a autora:
Kátia Regina Vidal de Sousa é Psicopedagoga pela Faculdade Futura, Terapeuta Cognitiva Comportamental pelo Centro Universitário UNIFG, Graduanda em Pedagogia pela Uniasselvi e Professora da Educação Infantil do Instituto Educacional Betesda de Vitória da Conquista-BA
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