O PROBLEMA DA DISPENSA COLETIVA E A PANDEMIA COVID-19: REFLEXÃO, CRÍTICA E POSSÍVEL SOLUÇÃO

Por Isaac Marsico do Couto Bemerguy

Crédito de Imagem: Imagem de Alexander Lesnitsky por Pixabay

Inicialmente, cabe destacar que a temática da Dispensa Coletiva nunca foi isenta de controvérsias no ramo justrabalhista do Direito Pátrio. Em realidade, pela natural tensão social que exsurge das relações trabalhistas, — conforme Mauro Schiavi[1] -, é de todo incomum que algum tópico laboral esteja isento de polêmicas, dissensões doutrinárias e divergências jurisprudenciais.

Entretanto, o assunto relativo ao instituto jurídico-trabalhista da Dispensa Coletiva merece especial atenção, posto que sofreu alterações com a Lei 13.467/2017 (popularmente conhecida como “Reforma Trabalhista”). Tais modificações — dotadas de certa atecnia em nossa opinião — também levantaram críticas, questionamentos e dúvidas por parte da doutrina mais tradicionalista.

É neste sentido que escrevemos o presente texto acadêmico, com vistas à melhor compreensão do que presentemente vêm ocorrendo nesta particular seara do Direito Coletivo do Trabalho, pensando, especialmente, a interconexão do tema com o cenário da Pandemia Covid-19. Esperamos, desta forma, poder contribuir para o desenvolvimento do tema.

Historicamente, a Dispensa Coletiva passou a ser diferenciada da Dispensa Individual por manifestação originária do Tribunal Superior do Trabalho. Não havia, até recentemente, disposição expressa na Consolidação das Leis do Trabalho que afastasse ou aproximasse as duas figuras.

Postulando tal afirmação com maior apuração técnica, e conforme a lição de Mauricio Godinho Delgado[2], estampada no RODC 309/2009–000–15–00–4, temos que o entendimento da Superior Corte Trabalhista brasileira foi paulatinamente composto por se entender exsurgir, naturalmente, do Texto Constitucional, necessidade de maior amparo aos trabalhadores dispensados coletivamente.

Apesar de não haver Direito Positivo realmente expresso sobre a matéria, uma interpretação sistemática e fluente entre o Texto Maior de 1988 e a Consolidação das Leis do Trabalho derivaria naturalmente numa proteção aos trabalhadores contra a Dispensa em Massa. De tal forma é que o Tribunal Superior do Trabalho tornou obrigatória a participação dos Sindicatos de Categoria Profissional[3] na fase de ruptura contratual coletiva.

O objetivo era o melhor ajuste das condições nas quais se operariam os términos negociais. De nossa parte, pensamos que o raciocínio jurídico é apenas secundário neste ponto, pelo que a seguir explicaremos.

Independentemente de disposições constitucionais e legais, a Economia se mantém como fato. E fato é, também, que instantaneamente rescindir o contrato de centenas ou milhares de empregados causa prejuízos à sociedade como um todo; serão centenas ou milhares de famílias com o prospecto de suas verbas alimentares cortadas. Haverá, ainda, diminuição sensível no consumo dos trabalhadores desempregados.

Esta situação, em Condições Normais de Temperatura e Pressão, já causaria inquietações pela maior parte dos operadores jurídicos nacionais. Muito mais o é preocupante, então, no presente momento de desassossego pelo qual passamos.

Em uma Economia de Mercado, o “Fator Consumo” jamais pode ser ignorado. É, neste elemento que se encontra preponderantemente a condição de precificação dos bens disponíveis para circulação econômica em sociedade. Dessarte, impossível não vincular as Dispensas Coletivas a um correlato impacto social negativo por minoração da capacidade de consumo dos trabalhadores.

É neste sentido que o economista J.M. Keynes pontua a problemática macroeconômica de demissões em cascata, que pode facilmente ser transposta para as demissões em massa. A saber, é o teorema do insigne economista: quando determinado trabalhador vê seu Contrato de Emprego rescindido, percebe, conexamente à demissão, diminuição na renda auferida. Essa diminuição de renda acarreta numa correlata diminuição da predisposição ao consumo de bens e serviços disponíveis no Mercado, o que tem por consequência principal o decréscimo das receitas das empresas que os disponibilizam.

Estas, em garantia do equilíbrio da equação “Receita-Despesa”, tenderão a promover maiores demissões e sucessivos cortes nos preços dos produtos ofertados. Por sua vez, tal postura tenderá a gerar uma crise econômica vinculada a um círculo vicioso de destruição da capacidade produtiva, dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa — conforme insculpidos no art. 1º, IV, da Constituição Federal em vigor.

Fácil é imaginar esta preocupante situação “elevada à potência de dez” quando, mesclada com a possibilidade irrestrita de Empregadores procederem à rescisão contratual em massa de seus empregados, é acrescentado justo medo sobre o futuro da Economia de Mercado brasileira.

É neste sentido que acreditamos ser necessário, no atual momento, que os protagonistas estatais e privados[4] do Mundo do Trabalho atuem de forma coordenada, para garantir o perfeito equilíbrio das relações Capital-Trabalho. Neste sentido, importante é a atuação do Ministério Público do Trabalho — como destinatário constitucional da proteção da Ordem Jurídica Trabalhista — e da Justiça do Trabalho, para que, na atividade criativa ínsita ao profissionais do Direito Laboral saibam represar o pleito das Demissões Coletivas — ao menos enquanto durarem as adversidades decorrentes do Covid-19.

É verdade, contudo, que a ruptura unilateral do Contrato de Trabalho, feita individual ou coletivamente, com ou sem justa causa, por parte do Empregador, é assegurada pela conjuntura global das normas jurídico-trabalhistas brasileiras. Puramente compreendido, o Direito do Trabalho pátrio não oferece respostas críticas a tal manobra.

Mas, é de se pensar seriamente sobre a situação da população trabalhadora brasileira. Apesar do permissivo juspositivo, haveria condição econômica para suportarem, as já combalidas estruturas econômicas nacionais, influxo tão grande de cidadãos desprovidos de fluxo constante de renda? É o caso, ao nosso ver, de um diálogo honesto e consciente entre o Direito e a Economia.

É possível se objetar a sugestão ora feita, de retorno temporário à tradicional vedação às Rescisões Coletivas que, apesar de haver espaço criativo na Ciência Jurídica, este é um tanto limitado. Não conferiria aos juristas tão amplo espaço intelectual para levar a cabo a ideia aqui confeccionada.

Retorquimos a tais ponderações com esteio nas lições do jurisconsulto Héctor-Hugo Barbagelata[5], que pontua ser característico do Direito do Trabalho se distanciar dos demais ramos da Ciência Jurídica principalmente por sua proposital “incompletude juspositiva” e realismo.

Incompletude que, por um lado, advém da tentativa de regulação de um conflito “inacabado”, isto é, que ainda se desenrola no caminhar da História e que, possivelmente, não encontrará fim permanente. E Realismo que, por outro lado, nasce de uma postura metodológica que tende a substituir fábulas paradisíacas por soluções jurídico-econômicas pragmáticas e, na medida do possível, imediatas.

Esta metodologia própria impõe ao estudioso do trabalho transitar entre a Norma e a Economia, com a fluidez, ao mesmo tempo, de um jurista e de um economista político. E, talvez com ainda maior importância, permite aos cientistas do direito uma maior flexibilidade na construção de soluções, às vezes heterodoxas, para manter a estabilidade do Mundo do Trabalho.

Assim é que a postura do Legislador Reformista originária, ao nosso ver, foi marcadamente ideológica e rígida; não tanto adaptada aos métodos próprios do justrabalhsimo. Sua tentativa de equiparar Dispensas Individuais e Coletivas foi, antes de uma adaptação do Direito à realidade, uma tentativa de desvirtuar a realidade do ser ao dever-ser, invertendo o nexo de imputação da Ciência Jurídica — mais bem estudado na Teoria Pura do Direito Magnum Opus do jusfilósofo Hans Kelsen[6]. Quer dizer, ao invés de permitir à realidade que esta informe o Direito, preferiu que o Direito — em abstração normativa — viesse a informar originariamente e, frise-se, a priori, a realidade.

Acontece que o Direito, mormente o Direito do Trabalho, não pode prever com total certeza o total desenrolar do seu objeto de estudo científico. A equiparação conceitual realizada em 2017, portanto, pecou. Pecou em não antever que a equiparação de situações juridicamente parecidas — afinal de contas, ambas reduzíveis à ruptura de negócio jurídicos bilaterais outrora ajustados — causaria impactos tão distintos no mundo fático sobre o qual se enverga.

Mais adequada ao realismo econômico-trabalhista (e, mesmo, mais fiel aos fins teleológicos do Direito Obreiro) era a postura original do Tribunal Superior do Trabalho, quando, mesmo desprovido de um texto base para justificar a diferença científica entre Dispensas Individuais e Coletivas, soube observar — com perspicácia — as implicações econômicas da original omissão celetista.

Afirmamos, portanto, desconfiança, quanto ao progresso imposto pelo Legislador Trabalhista de 2017, especialmente em tempos de Covid-19. Nos posicionamos, neste caso, em crédito da metodologia tradicional, que vinha encontrando respaldo em doutrina e jurisprudência — e mesmo numa leitura global da Carta Magna. As mudanças ocorridas, e que culminaram no novo art. 477-A da CLT, trazem uma certa marca de progresso ideológico, realizado mais com os “olhos” em ideais vindouros do que com “olhos” para aquilo que é viável em uma Economia de Mercado.

Cabe, todavia, ressaltar que há movimentação na Corte de Superposição Trabalhista para que se acate o novo Direito Positivo. É assim que, em decisão razoavelmente conhecida[7], datada de 2018, subscreveu, o Tribunal, ao posicionamento reformado do Legislador de 2017, mantendo a demissão de 58 professores de determinada instituição de Ensino Superior de Ribeirão Preto.

Ainda, não é demais lembrar que a Seção de Dissídios Coletivos, em revisão operada pelo Pleno do TST, afastou a possibilidade de se utilizar do Dissídio Coletivo de natureza jurídica para discutir demissões plúrimas[8].

Em que pese a demonstração de alinhamento rigoroso com a interpretação literal do art. 477-A do Diploma Laboral Consolidado, pensamos estar vivenciando circunstância macroeconômica que não pode se adstringir a tanta rigidez. É imperativo, ao nosso ver, que as Dispensas Coletivas sejam repensadas.

Ressaltamos que, na forma da Medida Provisória n. 936/2020, tornou-se possível, dentre outras medidas emergenciais, a suspensão do Contrato de Trabalho por até 60 dias. Como é sabido, durante suspensão, não há prestação de serviços e tampouco pagamento de salário. A medida emergencial adotada pelo Poder Executivo, inclusive, recentemente, foi renovada — tendo em vista que a crise está se perpetuando por um período de tempo maior do que o esperado.

Além da MP 936/2020, ainda dispomos, dentro desta espécie de Direito do Trabalho de emergência que vem surgindo, da Medida Provisória n. 927/2020 que, por sua vez, elenca uma série de providências que o Empregador pode tomar para resguardar a manutenção de sua atividade econômica sem prejudicar os Empregados.

Desta forma, existe necessidade de se proceder à revisão jurisprudencial, ao menos para o momento de Pandemia, deste permissivo legislativo irrestrito. Sublinhe-se que a Dispensa Coletiva nunca foi proibida no Brasil, mesmo quando a negociação sindical fazia-se obrigatória; de igual forma, não é tanto o que estamos sugerindo para o momento.

Apenas, tendo em vista as possíveis consequências desastrosa que podem surgir de uma despreocupada aplicação do Art. 477-A, pensamos ser imprescindível ao Judiciário Trabalhista e ao Ministério Público do Trabalho a manutenção de um olhar crítico e humano para o cenário aqui descrito, atuando no desestímulo conciliatório e judicial desta conduta.

Aos protagonistas privados das relações de trabalho, dentre os quais figuram os Empregadores, cabe urgir uma imperiosa reflexão acerca do protagonismo que detém. Hoje, mais do que nunca, a cooperação das Empresas para com o país é requisitada.

Não há dúvida de que a saúde macroeconômica brasileira depende de Empregadores investidos no futuro da sociedade brasileira. E estes, que não estimamos serem poucos, são peça fundamental para a preservação e aprimoramento da Ordem Pública Trabalhista. Que possam, então, entender prejudicial a todos a figura da Dispensa em Massa em épocas de Coronavírus.

[1]SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 35–37.

[2]DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 1487–1490.

[3]CONSULTOR JURÍDICO. Dispensa coletiva antes e depois da reforma trabalhista. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-dez-01/reflexoes-trabalhistas-dispensa-coletiva-antes-depois-reforma-trabalhista. Acesso em: 8 jun. 2020.

[4]Aqui utilizamos terminologia inspirada na obra O Particularismo do Direito do Trabalho, do professor Héctor-Hugo Barbagelata.

[5]BARBAGELATA, Héctor-hugo. O Particularismo do Direito do Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTr, 1996.

[6]KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8. ed. São Paulo: WMFMartinsFontes, 2014.

[7]CONSULTOR JURÍDICO. Ives-mantem-demissoes-estacio. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/ives-mantem-demissoes-estacio.pdf. Acesso em: 2 jun. 2020.

[8]TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. TST considera inadequado dissídio coletivo de sindicato para questionar dispensa em massa. Disponível em: http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/tst-considera-inadequado-dissidio-coletivo-de-sindicato-para-questionar-dispensa-em-massa. Acesso em: 31 mai. 2020.

Referências

BARBAGELATA, Héctor-hugo. O Particularismo do Direito do Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTr, 1996.

CONSULTOR JURÍDICO. Dispensa coletiva antes e depois da reforma trabalhista. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-dez-01/reflexoes-trabalhistas-dispensa-coletiva-antes-depois-reforma-trabalhista. Acesso em: 8 jun. 2020.

CONSULTOR JURÍDICO. Ives-mantem-demissoes-estacio. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/ives-mantem-demissoes-estacio.pdf. Acesso em: 2 jun. 2020

DELGADO, Mauricio Godinho; Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 1487–1490.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8. ed. São Paulo: WMFmartinsfontes, 2014.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2018.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. TST considera inadequado dissídio coletivo de sindicato para questionar dispensa em massa. Disponível em: http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/tst-considera-inadequado-dissidio-coletivo-de-sindicato-para-questionar-dispensa-em-massa. Acesso em: 31 mai. 2020.

Sobre o autor:

Isaac Marsico do Couto Bemerguy é Advogado. Aluno do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Processo do Trabalho da PUC-Rio.

O blog da Revista Direito, Estado e Sociedade publica textos de autores convidados. As opiniões expressas nesses posts não representam, necessariamente, a opinião do periódico e de sua equipe editorial.

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Revista Direito, Estado e Sociedade

Revista organizada, desde 1991, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, com o objetivo de divulgar intervenções interdisciplinares e inovadoras.