O Coronavírus e a Questão Ambiental: A contaminação ao COVID-19 não é democrática

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Por Emilia da Silva Piñeiro e César Augusto Costa

Crédito de Imagem: Imagem de S. Hermann & F. Richter por Pixabay

O ano de 2020 já possui uma marca, e ela é a da pandemia iniciada em 2019 pelo vírus covid-19, também chamado de coronavírus, que teve como local de início, a província de Wuhan na China espalhando-se pelo mundo todo, esvaziando cidades, provocando medo e insegurança e todos e consequentemente modificando nossas relações sociais e percepções do mundo. Entretanto, muito mais que todos estes sentimentos que permeiam a nossa atual situação mundial, no caso do Brasil, esta pandemia (des)invisibilizou milhões de brasileiros que vivem na informalidade e sem emprego, (des)invisibilizou comunidades tradicionais e originárias, populações ribeirinhas, campesinas entre outros, de modo que evidenciou para toda a nação brasileiras as desigualdades socioambientais no Brasil que tentamos demonstrar a tanto tempo em nossas pesquisas e lutas de movimentos sociais.

A desigualdade socioambiental no Brasil é algo latente. Atualmente enquanto as instruções de combate ao coronavírus são o isolamento social, lavar as mãos com água e sabão e passar álcool em gel, sabemos que muitos não possuem uma residência em plenas condições de habitação, tampouco de afastar-se os seus trabalhos para ficar em casa e isso foi demonstrado pelos mais de 60 milhões de brasileiros que solicitaram o auxílio emergencial, conforme os dados da Agência Brasil (2020).

Todavia, a proposta neste texto é tecer reflexões de como o coronavírus demostrou uma das mais perversas e violentas faces do capitalismo e do modo de extração que vivemos, exteriorizando crises sociais e ambientais que já existiam, advindas da modernidade colonial que conforme Mignolo (2017) nos é ocultada, silenciada já que a modernidade colonial nega qualquer processo desigual, e pretendemos demonstrar aqui, mesmo que minimamente, relacionando os processos de desigualdade socioambiental com a atual pandemia, na busca por justiça ambiental.

Nesta esteira, compreende-se que a matriz colonial de poder, instaurou uma racionalidade de poder, ser e saber que através do controle da economia, possibilitou historicamente alicerçar um paradigma civilizacional que tem na apropriação desigual e mercantil da natureza um dos traços mais significativos! A lógica perversa do ambientalismo liberalizado (ACSELRAD, 2005), indica que a racionalidade econômica que impera é a da desigualdade ambiental, ou seja, a distribuição locacional das atividades portadoras de riscos de forma concentrada para áreas ocupadas por populações mais suscetíveis a agra­vos. Isto equivale a apontar uma espécie de otimização planetária da economia da vida e da morte.

A competição e a disputa se dá em torno aos recursos naturais e a oferta de espaços a degradar e espoliar, assim como de áreas de fronteira com povos tradicionais e comunidades camponesas a expropriar, e áreas urbanas a gentrificar — pela remoção de moradores de baixa renda de modo a valorizar solo e, consequentemente, de grupos sociais despossuídos a vulnerabilizar. Em síntese, tal matriz civilizatória, postula que são os grupos mais despossuídos e vulneráveis, onde a desigualdade ambiental mostra-se parte integrante da espacialidade do capitalismo liberalizado (ACSELRAD, 2005).

No atual contexto político, econômico, social e também ambiental, a covid-19 evidenciou as crises, problemáticas e desigualdades presentes no Brasil, portanto: Deveríamos agradecer ao covid-19 por nos evidenciar, por trazer à tona crises sociais e ambientais que já existiam? Não, jamais. Inúmeras vidas estão sendo perdidas, principalmente conforme nos evidenciou Acselrad (2020) em uma live para a Universidade Católica de Pelotas, o descompromisso do Estado e do capital com a degradação ambiental é um pressuposto de desigualdade, e está intimamente ligada ao coronavírus, ou seja, estamos colhendo os ônus da falta de justiça ambiental.

Ao afirmar que a degradação ambiental está intimamente ligada ao coronavírus, pretende-se demonstrar o modelo de expansão e acúmulo de capital, que a extração ambiental que nos é imposta como prioridade para a nossa sobrevivência enquanto sociedade nos levou a esta pandemia, porque engana-se quem culpabiliza somente a China pela proliferação desta pandemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que este vírus é uma zoonose, ou seja, um animal é a provável fonte de transmissão do Covid-19 que resultou nesta pandemia, infectando milhares de pessoas e pressionando o mercado global.

Segundo cientistas e especialistas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o surgimento de zoonoses está ligado as transformações do meio ambiente, que são resultados das atividades humanas, que no sistema expropriatório, expansionista do capital, são degradativas ao meio ambiente. E nós já sabíamos disso, mas não ouvimos os sinais, porque conforme PNUMA (2020), o surto de ebola na África, é resultado de perdas florestais que levaram a vida selvagem para perto dos assentamentos humanos. Enquanto continuarmos a degradar o meio ambiente, como por exemplo as queimadas na Amazônia em 2019. Porque nesta lógica do nosso atual contexto mundial, epidemias/pandemias/surtos se tornaram frequentes, e sabemos, conforme Acselrad (2020) que os danos ambientais não são democráticos.

O coronavírus pode não fazer distinção de pessoas que contraem o vírus, mas sabemos que ele atinge massivamente populações em vulnerabilidade. Acselrad, Mello e Bezarra (2009) nos alertam que existe uma desproporcionalidade dos riscos ambientais as populações, que chamaremos aqui de populações desassistidas, ignoradas e invisibilizadas pelo Estado, e foi esta evidencia de desproporcionalidade que culminou no termo justiça ambiental. A vulnerabilidade em que estão estes sujeitos atingidos de forma desigual pelo covid-19, são resultados de um sistema neoliberal excludente, que possui em sua matriz, a desigualdade.

A desigualdade ambiental, como indicam Acselrad, Mello e Bezerra (2009) pode-se manifestar na forma de proteção ambiental desigual ou no acesso desigual aos recursos ambientais. No caso do coronavírus, a desigualdade ambiental se apresenta nestas duas formas, tanto na proteção ambiental desigual das populações em estado de vulnerabilidade, quando ao acesso desigual que estas mesmas populações em questão, possuem aos recursos naturais e a saúde, a desigualdade nas condições de isolamento que impactam diretamente nas populações desassistidas, ignoradas e invisibilidades pelo Estado, que estão mais propicias a contaminar-se com o covid-19 pois há uma distribuição desigual de proteção ambiental.

No mais, Acselrad, Mello e Bezerra (2009) para além da proteção e do acesso desigual é necessário reconhecer que existe algo maior que somente a sustentabilidade dos recursos e do meio ambiente, é preciso levar em consideração as formas sociais de apropriação, de uso e mau uso dos recursos e do meio ambiente, na retaguarda da justiça ambiental, está a busca pela justiça social e no caso dos impactos do coronavírus no Brasil, é preciso compreender que existe algo transversal, no qual o impacto coronavírus perpassa todas estas questões ambientais abordadas neste texto, porque estamos diante de um vírus letal que está atingindo populações em que o Estado ignora.

Portanto, a justiça ambiental e a justiça social são inerentes entre si. E, agora mais do que nunca, precisamos reconhecer uma sociedade justa, ou seja, reconhecer esses sujeitos, reconhecer as marcas da modernidade colonial, da apropriação mercantil da natureza e destas populações que estão sendo atingidas de forma desigual pelo covid-19. Este vírus revelou para todo o Brasil, o que nós na academia a tempos pautamos: enquanto estivermos neste modelo de sociedade capitalista, pautados pela desigualdade socioambiental, e se continuarmos nesse nível de extração e expropriação ambiental, estaremos próximos de outras pandemias, ou epidemias, ou até mesmo surtos que dizimaram sempre de forma abrupta as populações em vulnerabilidade como indígenas, ribeirinhos dentro tantos outros povos tradicionais e originários no Brasil.

Referências

ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Geramond, 2009.

______. Vulnerabilidade social, conflitos ambientais e regulação urbana. O Social em Questão — Ano XVIII — nº 33–2015. p. 57–68.

AGÊNCIA BRASIL. Saiba como está o atendimento para pagamento do auxílio emergencial. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-05/saiba-atendimento-para-pagamento-auxilio-emergencial. Acesso em: 18 mai. 2020.

COSTA, César Augusto; ACSELRAD, Henri; Avila, Carla Silva. Pandemia: vulnerabilidade, cidades e racismo ambiental. Disponível em: https://www.facebook.com/113152283692556/videos/169408277733432/. Acesso em: 05 mai. 2020.

MIGNOLO, Walter. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciênciais Sociais, v.32, n. 94. Junho, 2017.https://doi.org/10.17666/329402/2017

NAÇÕES UNIDAS BRASIL. PNUMA lista 6 fatos sobre coronavírus e meio ambiente. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pnuma-lista-6-fatos-sobre-coronavirus-e-meio-ambiente/. Acesso em: 18 mai. 2020.

NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA. Disponível em: https://nacoesunidas.org/surto-de-coronavirus-e-reflexo-da-degradacao-ambiental-afirma-pnuma/. Acesso em: 18 mai. 2020.

Sobre os autores:

Emilia da Silva Piñeiro é Advogada, Doutoranda em Política Social e Direitos Humanos/UCPEL, Pesquisadora do Núcleo de Estudos Latino-Americano (NEL/UCPEL). Contato: emiliapineiro@gmail.com

César Augusto Costa é Sociólogo, Docente no Programa de Política Social e Direitos Humanos/UCPEL, Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americano (NEL/UCPEL).

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Revista organizada, desde 1991, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, com o objetivo de divulgar intervenções interdisciplinares e inovadoras.

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