MUNDO DO TRABALHO NA MINERAÇÃO E COVID-19

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Por Rikartiany Cardoso Teles

Crédito de Imagem: Imagem de Анатолий Стафичук por Pixabay

Introdução

A mineração é uma das atividades econômica e laboral mais antigas do Brasil e do mundo. Elemento milenar e reforçado em processos escravizatórios e colonizadores, como os africanos que foram trazidos para o Brasil, notáveis mineradores das regiões da África, sendo os primeiros a implantar a engenharia de minas do Brasil, com o intuito de enriquecer os países imperialistas. Na sequência histórica ocorreram diversos acontecimentos, infelizmente todos acompanhados por crimes, violência e desrespeito ao mínimo de direitos trabalhistas, como o caso de Mina de Cata Blanca, em Itabirito (MG), em 1844, onde ocorreu um desabamento da galeria de uma mina de ouro que matou dezenas de operários.[1]

A mineração é reforçada pelo modus operandi da lógica da produção desenfreada, do acumulo capitalista, da destruição dos corpos de trabalhadores da mineração, assim, cada vez mais se coloca a direita (empresários, multinacionais), sempre na contramão dos interesses dos trabalhadores desse setor. Como prova disso, no dia 28 de maio, o presidente Jair Bolsonaro sancionou através de um decreto a atividade mineral como essencial, tornando-a, assim, ininterrupta em plena pandemia da covid-19.

No mesmo dia, um levantamento realizado pela Fiocruz, mostrava que nos 20 municípios com maior exploração mineral no Brasil já havia 253 casos confirmados da doença e 16 mortes.[2]

É nesse cenário que surge a pergunta e reflexão coletiva que devemos ter: e os trabalhadores, onde ficam nisso?

1. Proteção aos trabalhadores da mineração em tempos de Covid-19

Em diversos estados do Brasil, o MPT (Ministério Público do Trabalho) vem tentando atuar de modo a coibir violações a direitos fundamentais, bem como proteger os trabalhadores, como é o caso da Serra dos Carajás-PA, tendo em vista que o número de contágios disparou exatamente no local onde a Vale tem o seu maior polo produtor de minério de ferro.

A OIT (Organização Internacional do Trabalho)[3] considera o setor de mineração (de ferro, carvão, ouro, diamante etc.) como o mais perigoso do mundo para se trabalhar atualmente. Segundo a OIT, a indústria extrativa é que mais oferece risco de acidente e até mesmo de vida, por ser a que menos oferece medidas de segurança aos trabalhadores. Além dos poucos ou inexistentes mecanismos de segurança, trabalhar em uma mina é quase garantia de ter seus direitos desrespeitados também em termos de piso salarial, jornada de trabalho e abusos físicos por parte dos empregadores.

A manutenção das atividades pelo setor minerário em tempos de disseminação do coronavírus, coloca em risco a vida dos trabalhadores e operadores das minas, bem como os trabalhadores terceirizados, que continuam suas rotinas de trabalho normalmente, colocando em risco os colegas, seus familiares e as comunidades onde vivem ou que encontram em seu trajeto de trabalho, potencializadas pela ausência de EPI’s (equipamentos de proteção individual), de reorganização da escala de trabalho e demais recomendações da Organização Mundial da Saúde(OMS).

As condições nestes ambientes são desumanas, segundo a HRW (Human Rights Watch), que publicou em 2013 um relatório de cem páginas sobre o trabalho nas jazidas de ouro da Tanzânia[4], explica que a situação é calamitosa. Existem milhares de pequenas jazidas no país, em sua maioria ilegais. Sem nenhuma fiscalização, o uso de mão de obra infantil é comum e não há nenhuma proteção aos trabalhadores.

A questão é que esse cenário não é particular, mas sim internacional[5], ou seja, é a regra em todo o mundo, não é só a pandemia que causa preocupação no mundo do trabalho da mineração, mas sim a pandemia ocorrendo em um mundo que já é, por si só, precário, desumano e desrespeitoso quanto a leis, sejam elas, ambientais, trabalhistas ou tributarias.

Os números oficiais falam em 10698 casos confirmados e 128 mortes por Covid-19 em Parauapebas (PA) até o momento[6]. Mas a cidade que se formou e cresceu em função da mineradora Vale S.A enfrenta um colapso de saúde que é ainda pior do que os números mostram. A OAB(Ordem dos Advogados do Brasil) e o Ministério Público Federal e Estadual entraram com ações para averiguar a situação da cidade frente a pandemia. As evidências apontam que centenas de funcionários da empresa estariam com Covid-19 no Complexo Carajás, o maior projeto de extração de minério de ferro do mundo.

É nesse cenário de precarização selvagem do trabalho, de negligência com a saúde dos funcionários, que o valor do minério de ferro cresce 25%, ou seja, mesmo em meio a essa pandemia que vem matando pessoas, adoecendo e sendo potencializado pela negligência das empresas, estas últimas vêm lucrando ainda mais![7]

Em Maceió-AL, a mineração afetou diretamente não só trabalhadores, mas moradores dos bairros atingidos pela extração irresponsável de sal-gema feita nestes, pela empresa Braskem S\A (grupo Odebrecht), ocasionando rachaduras em casas, prédios e ruas, fazendo com que os bairros precisassem ser evacuados, segundo dados da própria CPRM( Companhia de Pesquisa em Recursos Minerais)[8] e atualizações do MPF, que vem, assim como outros órgãos públicos, acompanhando o já considerado maior desastre urbano minerário do Brasil[9].

Essas pessoas, centenas, de, pelo menos quatro bairros (Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e que vem aumentando, conforme atualizações de abrangência da Defesa Civil Estadual) tiveram que sair de suas casas em meio uma pandemia que exige em sua máxima primária o isolamento social e permanência nos lares, assim, a mineração predadora ocasionou a “expulsão compulsória” de centenas de pessoas em meio a uma pandemia.

2. Poder Judiciário, Órgãos e Instituições Públicas e Proteção trabalhista

A decisão (Processo 0000168–88.2020.5.23.0081)[10] que é do juiz Adriano Romero, atendeu ao pedido de tutela de urgência feito pelo MPT-MT (Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso) em uma ação civil pública, visando proteger cerca de 1,5 mil funcionários do coronavírus, determinando assim a paralisação imediata das atividades de mineração e construção desenvolvidas pelas empresas Andrade Gutierrez, Votorantim e Construcap no empreendimento Nexa, apontado como a maior planta de mineração do estado (zinco, chumbo, cobre, prata e ouro), no município de Aripuanã.[11]

Tal decisão fora fundamentada no fato de que os trabalhadores atuam em atividades que implicam a aglomeração de pessoas, sobretudo em lugares subterrâneos, com ventilação limitada, além disso, as regiões que ocorrem essa extração minerária é de certa distância dos centros urbanos, em que encontram-se unidades de saúde com equipamentos e equipe médica, o que só torna ainda mais calamitosa a situação, infelizmente presente em todo o pais.

É importante salientar que algumas decisões e posturas de outros setores da sociedade como a Ordem dos Advogados do Brasil vem sendo positivado e necessária, como é o caso da OAB-seccional Parauapebas, que questionou a Vale S.A quantos trabalhadores terceirizados foram contaminados pela Covid-19, quantos se afastaram, quantos foram remanejados para outras cidades e quantos entraram na fase grave da doença, solicitações e esclarecimentos que ora são parcialmente respondidos, ora não respondidos ou maquiados. A seccional ainda denuncia que nem o município nem a Vale apresentaram um estudo sobre o impacto entre os seus empregados.

O número de casos em Parauapebas mostra um fator extra em relação a outras cidades que é o setor mineral. Enquanto não houver qualquer fiscalização e estudos sobre o impacto que a atividade mineral está causando na sociedade local, as medidas serão ineficientes. Parauapebas acumula questionamentos na justiça. O Ministério Público Federal entrou com uma ação contra o decreto municipal que considerou diversas atividades como essenciais.[12]

Considerações Finais

Vivemos em um mundo que se beneficia da exploração dos trabalhadores em todas as instâncias, em especial nos de setores primários, como é o caso da mineração. A atividade minerária é essencial para que? E para quem? Ela não está sendo essencial para o conjunto das populações, para o conjunto da riqueza nacional e para os trabalhadores, pois grande parte do que produzimos é exportado, mas a reflexão que cabe aqui é a de que são vidas de trabalhadores (que sustentam o pais com sua força de trabalho) colocadas em risco da maneira mais agressiva possível, mesmo em um estado democrático, ou que deveria ser.

Os sindicatos vêm passando por enfrentamentos com empresas, a exemplo do Metabase-MG, que segundo as contas deste, a Vale liberou do trabalho apenas 40% da categoria, a Gerdau e a CSN em torno de 20%, no estado de Minas Gerais, palco dos maiores e mais dolosos crimes socioambientais do país.[13]

Portanto, a responsabilidade em lidar com essa situação recai sobre as empresas e governo, pois estes impossibilitam ou dificultam a efetivação das recomendações da OMS diante de uma pandemia que tem matado centenas cotidianamente, no mundo do trabalho da mineração isso é ainda mais potencializado. É uma questão econômica, planejar a reorganização laboral desse setor, pois o lucro predatório e a mineração irresponsável não vem antes da vida, pelo contrário, sem trabalhadores em condições de vida para desenvolverem-se com dignidade não existe economia, educação ou saúde, pois estes sustentam o país, o mundo!

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988.

______. Decreto-lei nº 1.985/40, de 29 de março de 1940. Código de Minas. Coleção de Leis do Brasil, Rio de Janeiro, 1940.

­­­______.Disponível em :https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/presidente-da-comissao-de-direitos-humanos-pede-anulacao-de-portaria-do-governo-que-considera-mineracao-trabalho-essencial-durante-a-pandemia

______.Disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0227.htm

______.Disponívelem:http://www.mme.gov.br/documents/79325/0/Portaria_135_SGM.pdf/792dcd4d-43f7-c624-63da-9822ae8b01ec

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração, trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTR, 2004.

CONGILIO, Celia Regina , Rosemayre Bezerra, Fernando Michelotti. Mineração, trabalho e conflitos amazônicos no Sudeste do Para. Maraba: Ed Iguana, 2019.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

FERREIRA. Antônio Casimiro. Sociedade da Austeridade e o Direito do Trabalho e exceção. Porto: Vida Econômica, 2012.

[1] BERTONI, Estevão. As vitimas da mineração no Brasil ao longo da história.Fev-2019. Disponível em : http://www.dmtemdebate.com.br/as-vitimas-da-mineracao-no-brasil-ao-longo-da-historia/. Acesso em 29\06\20120

[2] Disponível em: https://portal.fiocruz.br/observatorio-covid-19. Acesso em 29\06\2020.

[3] Disponível em:http://www.ilo.org/global/industries-and-sectors/mining/lang--en/index.htm. Acesso em 27\06\2020.

[4] Disponível em:https://www.hrw.org/sites/default/files/reports/tanzania0813_ForUpload_0.pdf. Acesso em 27\06\2020.

[5] Disponível em:http://www.dmtemdebate.com.br/10516/ Acesso em 28\06\2020.

[6] Disponível em: https://parauapebas.pa.gov.br/index.php/parauapebas-contra-o-coronavirus.html. Acesso em 30\06\2020

[7] Disponível em:https://extra.globo.com/noticias/economia/minerio-de-ferro-sobe-na-china-por-preocupacao-com-crise-de-coronavirus-no-brasil-24438159.html. Acesso em 29\06\2020

[8]Disponível em : http://www.cprm.gov.br/publique/Gestao-Territorial/Acoes-Especiais/Apresentacao-dos-Resultados---Estudos-sobre-a-Instabilidade-do-Terreno-nos-Bairros-Pinheiro%2C-Mutange-e-Bebedouro%2C-Maceio-%28AL%29-5669.html. Acesso em 25\06\2020

[9] Disponível em:http://www.mpf.mp.br/al/caso-pinheiro. Acesso em 30\06\2020

[10] Disponível em: http://www.tjmt.jus.br/. Acesso em 27\6\2020.

[11]Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-09/virus-justica-trabalho-paralisa-maior-mina-mt?fbclid=IwAR2E944NEIGZ9FZNzXyYCq9grHoZUDidFaVf0Csw_KsxLe_heAN_ovzo__E. Acesso em 27\6\2020.

[12] Disponível em:https://observatoriodamineracao.com.br/infeccao-por-covid-19-explode-entre-trabalhadores-da-vale-no-para-e-cidade-entra-em-colapso/. Acesso em 30\06\2020.

[13] Disponível em: http://www.metabase.com.br/index.php#features18-9. Acesso em 30\06\2020.

Sobre a autora:

Rikartiany Cardoso Teles é bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. E-mail: rikartiany@gmail.com.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0327790201297951

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