COVID-19 E INCLUSÃO DIGITAL

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Por Leonardo Scofano Damasceno Peixoto

Crédito de Imagem: Imagem de Pete Linforth por Pixabay

Nos últimos anos, o acesso à internet deixou de ser um benefício de economias desenvolvidas para se tornar um direito básico, como fornecimento de água limpa e luz. O distanciamento social decorrente da pandemia de coronavírus, por sua vez, acentuou a relação das pessoas com a internet para fins profissionais, sociais, assistenciais, econômicos e comerciais.

O acesso ao Auxílio Emergencial, benefício do governo federal destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados, depende do uso de dois aplicativos, um para cadastro e outro para o saque. Ferramentas de videoconferência se popularizaram e passaram a ser utilizadas diariamente para reuniões de trabalho e pessoais. A ferramenta Zoom, por exemplo, contava com 10 milhões de usuários por dia em dezembro de 2019 e em abril deste ano já contabilizava 300 milhões de usuários diariamente. O atendimento da Defensoria Pública passou a ser realizado remotamente pela internet nos casos urgentes e tende a ser implementado nos casos ordinários em um futuro bem próximo. Os microempreendedores que ainda não acompanhavam as inovações tecnológicas, deverão se adaptar às plataformas digitais por questão de sobrevivência. Se o acesso à internet já era essencial, passou a ser imprescindível.

Atualmente, mais de 70% dos brasileiros são usuários da internet e mais de 85% da população mundial vive a poucos quilômetros de uma torre de celular que pode oferecer o serviço da internet. Até 2025, espera-se que 90% da população mundial tenha acesso regular à internet. As tecnologias sem fios exigem infraestruturas menores que outros serviços públicos, tornando-se acessíveis rapidamente e já existem projetos para a ampliação do acesso. O projeto Internet.org do Facebook, por exemplo, desenvolve drones e possui operadoras de redes móveis que garantiram o acesso gratuito a serviços básicos de internet a mais de um bilhão de pessoas de 17 países em 2015. A Space X, por sua vez, desenvolveu o lançamento de satélites de baixo custo. [1]

A Relatoria Especial sobre a Liberdade de Expressão do Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu o acesso à internet como um direito humano derivado da liberdade de expressão, comunicação e opinião, mas não é só isso. O acesso à internet também possui a sua dimensão social como instrumento de acesso aos direitos econômicos, sociais e culturais.[2] Dado que a internet se tornou uma ferramenta indispensável à realização de uma multiplicidade de direitos humanos, combate à desigualdade e aceleração do desenvolvimento, o Conselho afirmou que o seu acesso universal deve ser uma prioridade a todos os Estados.[3]

No atual contexto da pandemia, a inclusão digital, prevista no artigo 27, I do Marco Civil da Internet, é imprescindível para a prevenção e informação contra o vírus, o acesso a benefícios sociais, as relações de teletrabalho, os atendimentos remotos em serviços públicos, o empreendedorismo digital, a nova economia de plataformas digitais etc.

Aliás, o processo de inclusão digital deve ser acelerado não somente para esta crise atual, mas também na pós-pandemia, permitindo a eficiência dos serviços públicos, além do acesso dos desfavorecidos ao mercado de trabalho e empreendedorismo digitais. Estes, por sua vez, são essenciais para a recuperação econômica, reduzindo drasticamente os custos operacionais de lojas físicas, gerando postos de trabalho remoto e canalizando o consumo eficiente na economia sob demanda de milhões de usuários da internet.

Cabe ao Estado brasileiro incentivar a construção de infraestruturas de redes, como o recente lançamento de satélite com a iniciativa privada à implantação de banda larga em áreas remotas; a instalação de fibras óticas; e a construção recente de cabos submarinos Brasil-África para ligação com a Europa, evitando que as comunicações de dados passem pelos EUA.

Em relação à inclusão digital como consectária do acesso universal à internet, incumbe ao Estado promover programas de capacitação mínima para uso da internet; a devida orientação aos usuários de serviços públicos nos canais remotos; o acesso gratuito de computadores em locais públicos e Wi-Fi; a adoção de subsídios às tecnologias digitais; o fomento às plataformas digitais como uma nova tendência comercial das micro e pequenas empresas; e a formação de microempreendedores digitais por meio do Sistema “S”, em especial o SEBRAE. [4]

Por fim, sabendo-se que pandemias, revoluções e guerras aceleram processos em curso na humanidade, a inclusão digital é uma necessidade contundente acelerada pelo COVID-19, que visa a reduzir as desigualdades sociais tão aparentes nesta crise sanitária e provocar uma considerável reação econômica diante da iminente recessão.

[1] SCHWAB. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016, p. 117–124. Informação adicional disponível em: https://www.internetlab.org.br/pt/especial/o-impacto-do-marco-civil-sobre-a-protecao-da-privacidade-no-brasil/. Acesso em 15.06.2020.

[2] No Brasil, tramita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 06/2011, de autoria do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que visa a alterar o art. 6º da Constituição Federal para introduzir, no rol dos direitos sociais, o acesso à internet. Por sua vez, a PEC nº 185/2015, de autoria da deputada federal Renata Abreu (PTN-SP), visa a acrescentar o inciso LXXIX ao art. 5º, para assegurar o acesso universal à internet entre os direitos fundamentais do cidadão. A PEC nº 17/2019, de autoria de vários senadores, ainda vai além para acrescentar o inciso XII-A ao art. 5º da Constituição brasileira, incluindo a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do cidadão, outra preocupação bem comum nesse período de pandemia diante de alguns atos do governo, como a Medida Provisória nº 954/2020, que estabelece às empresas de telecomunicações o dever de disponibilizar ao IBGE, em meio eletrônico, a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas, para a produção de estatística oficial pelo IBGE. Na medida cautelar da ADI 6387, que tramita no STF, a relatora ministra Rosa Weber suspendeu a eficácia dessa medida provisória, por não evidenciar a importância superlativa da pesquisa estatística que embasa a solicitação de compartilhamento de dados, não esclarecer a forma de contribuição na formulação de políticas públicas de enfrentamento dessa crise sanitária e não explicitar a finalidade do uso da pesquisa estatística, ferindo a proporcionalidade (ausência de demonstração da adequação e necessidade) e a privacidade.

[3] Relatório disponível em: http://https://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf. Acesso em 15.06.2020.

[4] No mesmo sentido, o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Informações disponíveis em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/06/america-latina-se-atrasa-em-medidas-para-minimizar-crise-da-covid-19-diz-bid.shtml. Acesso 15.06.2020.

Sobre o autor:

Leonardo Scofano Damasceno Peixoto realizou Pós-Doutorado em Democracia e Direitos Humanos pelo IGC/CDH na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. É Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP. Professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Direito (Especialização Lato Sensu em Direito Digital) da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Defensor Público do Estado de São Paulo.

O blog da Revista Direito, Estado e Sociedade publica textos de autores convidados. As opiniões expressas nesses posts não representam, necessariamente, a opinião do periódico e de sua equipe editorial.

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Revista organizada, desde 1991, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, com o objetivo de divulgar intervenções interdisciplinares e inovadoras.

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