A UNIÃO ESTÁVEL E NAMORO QUALIFICADO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Por Rebeca Cristina Miranda e Aretuza de Souza Pires da Silva
As transformações constantes nas formas de relacionamento e modelos de família acabam por gerar dúvidas acerca dos direitos e deveres do casal.
Com o isolamento social em razão da pandemia por Covid-19, muitos casais de namorados decidiram pela convivência conjunta, a fim de evitar o relacionamento à distância.
A discussão que paira sobre essa decisão reside no reconhecimento ou não da União Estável, assim, deve-se esclarecer a distinção entre União Estável e Namoro Qualificado.
Estável: palavra originária do latim stabillis, significa algo que permanece, que se mantém de modo firme, permanente e constante.
A União Estável tem, dentre suas características, o relacionamento duradouro e contínuo, o qual pode ser observada pela maneira como o casal se trata perante à sociedade, nomeadamente como marido e mulher, e é deste modo assim são reconhecidos.
O Namoro Qualificado, tese criada pela doutrina e aceita pelos tribunais, semelhantemente à União Estável, pode ser duradouro, contínuo e muitas vezes assim o é.
Então, a questão que mais importa é saber o que realmente modifica um relacionamento de namoro para União Estável, situação em que o casal passa a ser reputado como uma família.
A União Estável não tem uma definição no ordenamento jurídico brasileiro, mas se estabelece por características que lhe são inerentes e foram conferidas pela Lei.
O artigo 1º da Lei 9.278/96 assim como o artigo 1.723 do Código Civil dispõe sobre o reconhecimento da entidade familiar a partir da convivência pública, contínua e duradoura com objetivo de constituição de família.
O Superior Tribunal de Justiça — STJ reconhece como elemento subjetivo da União Estável a vontade de constituir família.
Já o termo “Namoro Qualificado” foi mencionado no STJ pelo Ministro Bellizze, para definir o casal que “em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro — e não para o presente –, o propósito de constituir entidade familiar” (O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial).
Na relação de Namoro Qualificado, os namorados ainda que coabitando sob mesmo teto, são livres e desimpedidos, agem por interesses particulares, não se fazendo presente a intenção de constituir família naquele momento, mas apenas ter a companhia um do outro. (STJ, REsp 1.263.015/RN, 3ª Turma, Rel. Min Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012, DJe 26/6/2012).
No Namoro Qualificado, a vontade de constituir família é apenas uma mera expectativa. Tanto que já se questionou no passado a possibilidade de converter o namoro em União Estável após 2 (dois) anos de relacionamento, contudo é nítido que o tempo de relacionamento não importa, uma vez que o desejo de formar família no futuro não está apto a caracterizar a União Estável, para isso a formação da família tem que se dar no presente. Em outras palavras, o casal deve viver como entidade familiar e concretizar o plano de compartilhar a vida, não apenas como namorados conviventes na mesma habitação, pois isso se definiria como Namoro Qualificado.
Observa-se, portanto, que o elemento essencial diferenciador entre o Namoro Qualificado e a União Estável reside no objetivo atual de constituir família, onde ambos se portam, desde logo como entidade familiar. (TJ/RS, Embargos Infringentes 70008361990, 4º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, decisão de 13/8/2004).
Logo, a coabitação, o relacionamento duradouro, contínuo e público, não são requisitos elementares para caracterização da União Estável, pois o principal elemento que define essa união é a vontade mútua de formar família. Por outro lado, um casal que convive como se casados fossem, e atuando com o objetivo de ser verdadeiramente uma família, mesmo que residam em casas separadas, tem essa União Estável caracterizada, visto que, a necessidade de moradia conjunta não é prevista em Lei para reconhecimento da União Estável.
Além disso, o próprio STJ destaca que a mera coabitação sem o objetivo comum de formar família, não caracteriza a União Estável (STJ: Jurisprudência em Teses, edição 50, premissa 2).
Outrossim, vale lembrar, que não existe prazo mínimo de convivência, menos ainda se a união é homoafetiva ou heteroafetiva, tão pouco a necessidade de se ter filhos em comum.
Cumpre esclarecer ainda, que o Namoro Qualificado é diferente do namoro comum, similarmente pela observância ao designío de constituir família, todavia, enquanto no Namoro Qualificado este elemento é considerado para o futuro, no namoro comum, não se tem essa pretensão, seja presente ou futura.
O namoro, qualquer que seja, não gera direito nem deveres próprios do casamento como acontece com a União Estável que se equipara ao casamento civil (Recursos Extraordinários (REs) 646721 e 878694) conferindo, por exemplo, direitos alimentícios e sucessórios, restando nisso, a preocupação dos conviventes em ter definido o status do relacionamento. Vale destacar, que há uma perspectiva de aquinhoamento, na esfera cível, com uma possível indenização por danos materiais, de algo obtido conjuntamente, embora não haja prognóstico do empenho comum, como há na União Estável.
Neste ponto, apenas com o intuito de bem esclarecer sobre o tema, ressalva-se que o artigo 1.521 e 1.723 do código civil, dispõem que mesmo havendo coabitação com objetivo presente de formar família, seja durante a pandemia ou até depois dela, não haverá reconhecimento de União Estável, caso verificar-se impedimento legal dos conviventes em constituir matrimonio.
Pensando em impedir os efeitos jurídicos da União Estável, alguns casais procuram formalizar um contrato de namoro, documento este que serviria para comprovar que não há constituição de entidade familiar e definir eventual partilha de bens adquiridos durante o relacionamento.
Todavia, ainda há divergências de entendimento sobre a efetividade de tal contrato, uma vez que na prática, o casal pode alterar a relação passando a constituir entidade familiar sem, no entanto, elaborar um distrato do contrato de namoro e assim ter a União Estável reconhecida, logo, existe necessidade de se observar o caso concreto.
Com efeito, o contrato de namoro não é capaz de se sobrepor aos elementos caracterizadores da União Estável, havendo sempre que necessário a possibilidade de se socorrer ao judiciário para o reconhecimento desta união.
Percebe-se que há uma linha tênue entre o Namoro Qualificado e a União Estável, ambos relacionamentos podem ser providos de convivência pública, contínua e duradoura e terem objetivo de constituição de família.
No entanto, é certo que o sonho de constituir família com alguém, jamais poderá ser equiparado à constituição efetiva dessa família.
Assim, enquanto durar o relacionamento apenas com planos futuros, ali não poderá ser considerado que haja União Estável.
Por tudo, ainda que haja coabitação, durante o período da pandemia ou até depois dele, sendo inexistente o objetivo de constituir família, não há que se falar em União Estável.
Referências
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Sobre as autoras:
Rebeca Cristina Miranda é advogada formada pela Universidade São Judas Tadeu, graduada em administração pela universidade Camilo Castelo Branco e pós graduada em gestão de pessoas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Email: rebecacm.miranda@hotmail.com
Aretuza de Souza Pires da Silva é Pedagoga, formada pela Universidade De Guarulhos; bacharel em direito pela Universidade São Judas Tadeu, pós-graduanda em Psicomotricidade e Psicopedagogia pela HSM University. E-mail: arepires@hotmail.com
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