A importância da abordagem ambiental no cenário político e social frente à COVID-19
Por Lidiane Lacerda
Um futuro de grandes incertezas se evidenciou com a achegava de 2020. Em janeiro, os noticiários descreviam os esforços do governo chinês na tentativa de se conter uma epidemia do novo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela enfermidade COVID-19. E, enquanto a China construía hospitais em tempo recorde e isolava parte de sua população, o resto do mundo assistia ou lia o noticiário contemplando a situação como algo muito distante e, por ora, até exótica.
Em fevereiro a ameaça ficou mais próxima e evidente ao atingir nosso mundo ocidental. Primeiro a Itália, em seguida a Espanha, França… contrariando ou confirmando previsões, acompanhamos em ritmo muito acelerado a expansão da COVID-19 por todo o mundo, até se configurar em uma pandemia declarada pela OMS.
A partir de então começam as especulações, as informações desencontradas, as crises econômica e sanitária sem precedentes, além da incessante busca por culpados. No começo se culpou o morcego, depois o pangolim, em seguida o governo chinês, a globalização… E daí em diante calorosos debates protagonizados por Trump, Bolsonaro, os think tank de todo o mundo… entre “salvar vidas” ou “salvar a economia”.
Esse caótico e temeroso cenário combina possibilidades dúbias: por um lado, o fortalecimento do fascismo e ecofascismo, que se apropriam de políticas ultranacionalistas e autoritárias como justificativa para a supremacia de classes “dominantes”; por outro, o fortalecimento das políticas públicas nos setores sanitários e sociais, além de políticas assistencialistas para as camadas mais empobrecidas. Em meio a tudo isso, é praticamente inexistente reflexões pautadas nas questões ambientais com caráter informativo e orientativo, que possam explicar parte desta pandemia e evitar outras futuras.
A COVID-19 não chega em um momento neutro, mas em um momento histórico. No âmbito ecológico, a escassez dos recursos naturais, aquecimento global, desmatamento, extinção acelerada de espécies… no âmbito social, o empobrecimento de países, intensificação das desigualdades entre norte e sul, problemas migratórios… no âmbito político, retrocesso democrático, perda de direitos e muita desconfiança.
Ou seja, antes da crise econômica provocada pela pandemia, já estávamos imersos em uma crise ambiental/civilizatória de grande magnitude, provocada pela busca incessante do desenvolvimento de primeiro nível, modernidade e sobretudo poder. Esse modelo de gestão inadequado pautado na falta de equidade de recursos naturais e econômicos nos levou a um beco sem saída, e essa pandemia, de certa forma, é um sinal claro desse desequilíbrio.
Estamos pagando um preço muito alto em termos de vidas humanas, e para evitar outras pandemias em tempos cada vez mais curtos é preciso estar atento à necessidade de um meio ambiente equilibrado, um ecossistema em pleno funcionamento. Um meio ambiente equilibrado nos ajuda a conviver da melhor forma possível com os patógenos, da mesma forma, um meio ambiente em desequilíbrio se configura em uma verdadeira ameaça à nossa integridade.
Os coronavírus são vírus zoonóticos, ou seja, podem ser transmitidos entre animais e humanos. Geralmente, os animais selvagens são verdadeiros “reservatórios” de patógenos, em uma relação de coexistência. No entanto, a perda de habitat, a captura e o cativeiro provocam estresse no animal e o consequente desequilíbrio dessa relação entre hospedeiro e parasito, favorecendo eventos de recombinação e mutação genéticas que fazem com que estes microrganismos “saltem” evolutivamente a outras espécies.
Aparentemente (e compreensivelmente) a natureza está se voltando contra a humanidade. É preciso refletir o comportamento humano, quebrar paradigmas, decidir se seguiremos adotando valores econômicos como valores centrais ou únicos, e sobretudo, saber até onde queremos chegar. Superar um modelo histórico de pensamentos e atitudes que conduziu a humanidade na contramão da sustentabilidade, não é uma medida simplesmente corretiva, haja vista que afeta diretamente o “coração” do sistema econômico capitalista.
Interpretar e compreender toda essa problemática frente a um prognóstico tão caótico, é tão complexo quanto importante, mas essa interpretação já não pode mais ser meramente descritiva desde o ponto de vista de um expectador. É necessário estar totalmente imerso neste problema, e especialmente assumir responsabilidades para analisar os problemas ambientais, sociais e políticos de forma vanguardista e dinâmica, para gerar propostas e alternativas com soluções otimistas tanto para seu entorno como em escala global.
E assim, o que se espera da nossa espécie é uma verdadeira mudança de rumo, transformações profundas do pensar e agir. Também é certo que não existe uma receita única ou um passo totalmente seguro a ser dado, é necessário experimentar, descobrir novos caminhos e pouco a pouco aprender com os erros e acertos, mesmo não havendo muita margem para erros. Para evitar os erros é preciso estar atento aos ciclos da natureza, que por sua vez, são incompatíveis com o nosso imediatismo.
No entanto, inevitavelmente, esse novo rumo deve se centrar em ações individuais e coletivas de natureza política e econômica, priorizando simultaneamente questões de política pública e o fortalecimento dos movimentos sociais. Frente às grandes incertezas para o futuro e os diferentes cenários possíveis, a COVID-19 nos exige uma nova conduta, além de relações mais solidárias entre os diferentes setores sociais e da política pública.
Para que uma política pública seja participativa e tenha êxito, é importante adotar um modelo acessível e cooperativo, pautado na confiança e transparência, capaz de estimular e desenvolver pensamentos alternativos para o desenvolvimento sustentável tanto no âmbito ecológico quanto no social, culminando assim em um novo olhar frente ao mundo que vivemos. Deste novo olhar, surgirão novas perspectivas de valores e uma melhor compreensão de mundo.
É preciso agir rápido. Frente às reações da natureza estamos lançados à própria sorte, assim que, todas as formas de se alcançar um desenvolvimento e comportamento sustentáveis são válidos, desde que respaldados pelo aumento do capital natural, respeito à capacidade de carga e ritmo de renovação dos ecossistemas, e equidade econômica e social.
Referências
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Novo, M. (2006). El desarrollo sostenible. Su dimensión ambiental y educativa. Madrid: Pearson Educación, S.A.
Pastor, J. (2020). El (im)posible retorno del Estado al primer plano ante una catástrofe global. Geopolítica(s). Revista de estudios sobre espacio y poder, 11(Especial), 165–172.
Sobre a autora:
Lidiane Lacerda é Doutoranda em Meio Ambiente: Dimensões Humanas e Socioeconômicas pela Universidade Complutense de Madrid — UCM.
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