A Educação Ambiental Transformadora e crítica à modernidade a partir do COVID-19

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Por Leonice Chaves Vieira e César Augusto Costa

Crédito de Imagem: Fateme Alaie (Unsplash)

A propagação impactante, a nível mundial do Convid-19, trouxe ao mundo uma nova e diferente situação, pelo menos no que diz respeito aos últimos tempos. A acelerada produção capital para obter lucro, precisou se dinamizar de uma forma mais lenta, adaptações por parte dos pequenos, médios e grandes empresários se fizeram necessárias para sobreviver o baixo consumo da população que se resguarda em seus domicílios; a natureza experiencia durante este ocorrido um tempo para se refazer, e as pessoas são convocadas a ficarem em ficar em casa para se cuidarem; muitos estudantes passaram a ter aulas e atividades educacionais on-line, muitas outras realidades se alteraram, tudo isso em meio a muitas perdas de pessoas infectadas com o vírus.

Nos parece oportuno dizer, que o mundo não está em colapso a partir do Covid-19, mas sim há décadas, desde que se instalou a racionalidade alienante da relação metabólica entre humanos e natureza, pela lógica do trabalho capitalista. Com a instauração do projeto da Modernidade, diversos modos e mecanismos violentos de negação aos direitos humano e da natureza, sustentada pela exploração da força de trabalho e pelo uso desmedido e predatório dos recursos da natureza foram marcando a história mundial de forma diferente.

O quadro socioambiental a cada dia experiencia novas e recorrentes manifestações de esgotamento a serem observadas na intensificação das desigualdades socioambientais, políticas, culturais e econômicas, e nos acontecimentos de destruição da natureza. A lógica de produção capitalista, desenvolveu a capacidade criativa a serviço da arquitetônica modernidade, porém distanciou homens e mulheres da natureza, e por consequência, vem resultando em muitas questões socioambientais.

Infelizmente muitos dos princípios e diretrizes da hegemonia dominante se naturalizaram, dificultando a conscientização social da perversidade da lógica do modelo de desenvolvimento colocada em curso. A partir de Marx, das teorias críticas, ambientalistas críticos, intelectuais orgânicos e comunidade em geral trouxeram à luz a dinâmica exploratória e os riscos que a humanidade se colocaria a partir dos ditames produtivos hegemônicos.

Recorrendo a história observa-se o grito dos inquietos, dos acordados diante da lógica da Modernidade colocada em curso, que em nome de um pretenso desenvolvimento, promove o estranhamento humano a sua própria extensão a natureza. E vale dizer, que muitos desses gritos vieram dos ditos ignorantes (segundo a elite dominante), que possuem uma relação espiritual e de respeito com natureza: os índios, os quilombolas e os camponeses. Tais são elementos fundadores da colonialidade/modernidade/eurocentrada que impuseram um novo e radical dualismo cartesiano, que separou “razão” e “natureza”. A “natureza” pode ser apontada como o quinto domínio da matriz colonial e que durante os últimos, a questão da natureza tem sido discutida no projeto modernidade/colonialidade.

Para Dussel (2000), o final do presente estágio civilizatório de 500 anos possui dois limites absolutos que são: a) a destruição ecológica da natureza, pois desde a origem a modernidade constituiu a natureza como objeto explorável com vistas ao lucro, à acumulação de capital, e; b) a destruição da própria humanidade pelo caráter das relações de exploração. Dussel busca recuperar o recuperável da modernidade, e negar a dominação e exclusão desse sistema-mundo. Para ele, significa um projeto de libertação da periferia negada desde a origem da modernidade, pois o problema que se descobre é o esgotamento de um sistema civilizatório que chega ao fim (DUSSEL, 2000). Ou seja, constatamos que a modernidade/colonialidade na apropriação da natureza se refere à existência de formas hegemônicas de extração recursos naturais considerando-os como mercadorias, ao mesmo tempo em que representa o aniquilamento de modos subalternos de convívio com o meio ambiente, bem como a perpetuação e justificação de formas assimétricas de poder na apropriação dos territórios (ASSIS, 2014).

Para Dussel (2020) a modernidade trouxe inegáveis contribuições evolutivas a humanidade, porém, estes valores positivos acabaram gerando uma cegueira sistemática dos efeitos negativos advindos da dinâmica predatória das suas descobertas e das contínuas e desmedidas intervenções na natureza. Feito que pode ser atribuído ao desprezo da natureza, ao trato da natureza como uma fonte inesgotável de extração de recurso natural, e ao esquecimento de a natureza é um ser vivo, orgânico. Estes elementos reflexivos servem para entendermos porque:

Hoje, a mãe natureza (agora como uma metáfora adequada e verdadeira) se rebelou; Ele invadiu sua filha, a humanidade, através de um componente insignificante da natureza (natureza da qual o ser humano também faz parte e compartilha a realidade com o vírus). Ela questiona a modernidade, e o faz através de um organismo (o vírus) imensamente menor que uma bactéria ou célula, e infinitamente mais simples que o ser humano que possui bilhões de células com funções muito complexas e diferentes. (DUSSEL, 2020, p.1)

A metáfora de Dussel (2020) se integra à inúmeros questionamentos, reflexões e análises produzidas a partir da pandemia decorrente do Covid-2019, por milhares de pessoas, numa busca de interpretar ou continuar denunciando o modelo de desenvolvimento que faz da natureza um mero objeto de conhecimento. Dussel (2020) é enfático em afirmar que a natureza é a Totalidade, que permite os seres humanos existirem. A vida humana só é possível na natureza. A relação existencial entre humanos e natureza é visceral, por tanto, a qualidade (ou deformidade), a preservação (destruir) da biosfera, é a mesma que atingirá toda uma civilização. Neste sentido,

Trata-se, então, de interpretar a epidemia atual como se fosse um bumerangue que a modernidade lançou contra a natureza (já que é o efeito não intencional de mutações de germes patogênicos que a mesma ciência farmacológica médica e industrial originou), e isso volta contra ela. sob a forma de vírus de laboratórios ou tecnologia terapêutica. (DUSSEL, 2020, p. 1)

Este entre inúmeros exemplos ilustram os sinais de esgotamento do modelo de desenvolvimento existente, claro que em se tratando do Covid-19, estamos falando de situação impactante a nível global que chega num momento histórico em que a Modernidade já foi experienciada pela humanidade, saiu do plano dos sonhos, das apostas no cumprimento das promessas de um desenvolvimento para todos, portanto, o vírus denuncia a direção autodestruitiva que a humanidade está tomando. Acreditamos, conforme Dussel (2020) que:

[..] estamos vivendo pela primeira vez na história do cosmos, da humanidade, os sinais do esgotamento da modernidade como o último estágio do Antropoceno, e que nos permite vislumbrar uma nova era do mundo, a Transmodernidade, na qual a humanidade deve aprender , dos erros da modernidade, para entrar em uma nova era do mundo.

É sobre este espaço, de nova era do mundo, que identificamos o valor de intensificar as escolhas epistemológica pela Educação Ambiental Transformadora (LOUREIRO, 2003), por ser esta uma estratégia de empoderar a grande massa para lutar por um outro modelo de desenvolvimento, referenciado na ética política, econômica, cultural, social e ambiental, pela via da democrática construída por todos, a fim de garantir uma sociedade organizada, produtiva e criativa para existir de forma justa e fraterna.

Considerando que a educação formal, neste período de isolamento, para fins de evitar a propagação do vírus, continua suas atividades, pelo menos para uma grande maioria, de forma online, poderá se empenhar na tarefa de promover uma educação ambiental transformadora, de tal forma que os estudantes se sintam responsáveis por se mobilizar pessoalmente e coletivamente para a tarefa de reivindicar e colocar num novo curso o existir globalizado entre humanos e natureza.

Diferentemente da Educação Ambiental “conservadora” e da “pragmática” que tratam as problemáticas socioambientais desvinculadas de uma análise crítica política e estrutural, que afirmam a lógica instrumental no sistema vigente e impedem a formação de sujeitos capazes de contribuir na construção de processos democráticos e participativos, garantidores da qualidade de vida e ressignificação saudável da relação sociedade-natureza. (LOUREIRO e LAYRARGUES; 2010). A Educação Ambiental transformadora (LOUREIRO, 2003) está comprometida em desvelar as aparências, a tirar o véu que impossibilita identificar as contradições do modelo capitalista e, neste fazer, tem contribuído para tirar do baú das sombras as desigualdades na distribuição das riquezas produzidas pela humanidade, a exploração abusiva da natureza, o modelo de desenvolvimento responsável pelo aniquilamento de raças, pela miséria experienciada por diversas e significativas populações.

A Educação, enquanto ato político, na sua parcela de responsabilidade social, é chamada a se reencontrar com suas inspirações formativas, a fim de apresentar projetos educativos com posicionamentos objetivos em relação aos dois grandes polos complementares de uma mesma existência, ou seja, humanos e natureza. Para tanto, esta tarefa requer bases teóricas críticas, alicerçadas em estudos, experiências e atitudes políticas a fim de expressar verdade e se tornar autoridade em defesa de um novo paradigma epistemológico, econômico, cultural e social.

Referências

ASSIS, Wendell. Do Colonialismo à colonialidade: expropriação territorial na periferia do capitalismo. CRH, v. 27, n. 72, 2014. p. 613–627.

DUSSEL, E. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2000.

______. Quando a natureza verifica a modernidade orgulhosa. NODAL: Notícias da América Latina y El Caribe. Publicado em 7 de abr. de 2020. Disponível em: https://www.nodal.am/2020/04/cuando-la-naturaleza-jaquea-la-orgullosa-modernidad-por-enrique-dussel/ Acessado em : 21 de mai/2020

LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, Philippe Pomier; CASTRO, Ronaldo Souza de (orgs). Sociedade e Meio Ambiente: A Educação Ambiental em debate. 6ª. edição. São Paulo: Cortez, 2010.

LOUREIRO, C. F. B. Premissas teóricas para uma Educação Ambiental transformadora. In: Ambiente e Educação, Rio Grande, 8: 37–54, 2003. Disponível em: <https://www.seer.furg.br/ambeduc/article/view/897/355>. Acesso em: 20/05/2020.

Sobre os autores:

Leonice Chaves Vieira é Pedagoga . Doutoranda em Política Social e Direitos Humanos/UCPEL. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Latino-Americano (NEL/UCPEL). Contato: chavesleonice@gmail.com.

César Augusto Costa é Sociólogo. Docente no Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos/UCPEL. Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americano (NEL/UCPEL).

O blog da Revista Direito, Estado e Sociedade publica textos de autores convidados. As opiniões expressas nesses posts não representam, necessariamente, a opinião do periódico e de sua equipe editorial.

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