A DISSIDÊNCIA DO DIREITO DE IR E VIR E DO DIREITO ÀVIDA: O PALCO PARA ESQUECIMENTO SOCIAL E FAVORES POLÍTICOS

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Por Thompson Adans Rodrigues

Crédito de imagem: Daniel Reche por Pixabay

Em um cenário pandêmico, é normal que surjam questionamentos às restrições de direitos fundamentais. Entretanto, nesse conflito de questões deve-se ponderar para que se possa alcançar não só a proteção de um direito em detrimento de outro, mas garantir a coexistência de ambos, bem como visar uma solução ágil e eficaz para as adversidades trazidas pela Covid-19.

Nessa senda, ainda que declarações presidenciais clamem pelo fim do isolamento, defendendo a liberdade de ir e vir, bem como se pautando puramente pelo viés econômico, deve-se atentar as palavras de José Afonso da Silva, que já afirmava: “de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos”.

Destarte, consoante ao dizer acima, parafraseia-se: de que adiantaria assegurar unicamente o bem-estar econômico nacional, por meio da liberdade de ir e vir, tendo riscos expressivos ao direito a vida? É explicitar que nesse prisma “anti-vida”, os indivíduos devem se sacrificar em prol de girar a roda da economia para que não haja crises ao governo.

Por maior que sejam as problemáticas nesse aspecto e no atual cenário nacional, tem-se de considerar a perspectiva de que tudo que interfere em prejuízo do fluir espontâneo e incessante do processo vital contraria a vida, assim, o gravame da propalação da Covid-19 pela defesa do direito econômico e direito de ir e vir contrariam o direito central da vida, o qual é a base para a existência dos demais direitos e garantias fundamentais.

Em que pese ser profunda a discussão constitucional entre os referidos direitos fundamentais, essa apenas se apresenta como um pano de fundo para o governo promover favores políticos e agravar o esquecimento social. A esse ponto, ressalte-se, a imparcialidade da afirmação, o que será demonstrada a seguir.

Sabe-se o tamanho esforço dos governos estaduais em construir hospitais de campanha voltados ao atendimento de pessoas infectadas com a Covid-19. Sabe-se, ainda, do auxilio emergencial dado aos que não possuem renda para o sustento próprio. São de conhecimento comum, as medidas provisórias a respeito da legislação trabalhista, as quais viabilizam que o empregador, em muitos casos, dispense o trabalhador para ficar em casa ou trabalhando um curto período, sem grande prejuízo do salário.

Entretanto, merece esmero explicitar que os hospitais de campanha estão sendo construídos em estádios que foram financiados pelo dinheiro público com o seguinte slogan “não se faz Copa do Mundo com hospitais, e sim com estádios”, isso em uma sociedade com cerca de 75% da população dependente do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme o especialista Claudio Porto em entrevista ao Correio Braziliense. Observa-se, também, o descaso do auxílio emergencial que não previu a falta de acesso das pessoas carentes aos meios digitais, tendo grande parte do seu público alvo em filas, o que promoveu grandes aglomerações.

Nessa continuidade, são expressivos os números apresentados pela Prof. Dra. Aldaiza de Oliveira Sposati em sua obra. A principal medida de combate a Covid-19, o isolamento social, não é acessível a cerca de 100 milhões de brasileiros, tendo em vista a precariedade de suas condições de moradia, ausência de serviços públicos, trabalho, renda, entre outros fatores.

Estima-se que, segundos dados do IBGE (2019) e CADÚnico/Bolsa Família, a população brasileira, com precárias condições de enfrentamento a Covid-19, é composta por 12 milhões de desempregados, cerca de 50 milhões de trabalhadores informais; afere-se, ainda, que há cerca de 14 milhões de famílias, ou cerca de 45 milhões de pessoas em extrema pobreza, bem como 150 mil moradores de rua.

Nessa senda, torna-se sensato valer-se das palavras da Prof. Dra. Aldaiza Sposati, aqui não se tratando de vulneráveis, e sim de uma população vulnerabilizada, brasileiros a quem vem sendo negado o reconhecimento social como cidadãos de direitos, uma vez que a pandemia amplia o risco social existente para parte significativa da população, a qual está elencada com as maiores possibilidades de contaminação e morte.

Ante o cenário nacional, onde a crise econômica está por surgir, bem como o esquecimento social se torna mais presente a cada dia de isolamento, sem haver medidas eficazes, tendo em vista o evidente abismo social, a crise política se apresenta como um problema maior.

Não obstante as adversidades geradas pela Covid-19, representantes políticos parecem não se importarem com as condições alarmantes, cite-se, por exemplo, a aprovação de plano de saúde vitalício para ex-deputados e dependentes, na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Ressalte-se que o custo desse plano de saúde é complementado com recursos públicos, o que gerou, em 2018, um gasto de R$ 34 milhões com o “benefício”.

Em prossecução a fomentação do que pode ser uma crise política, tem-se um governo federal ineficaz e que recorre a uma continua nomeação de ministros da saúde, o que impacta em estratégias de longa e curta duração ao combate a pandemia, bem como parecer se preocupar mais com favores político e com troca de cargos por apoio.

Desta forma, conforme fora exposto, um profundo debate concernente à colisão de direitos fundamentais, torna-se um pano de fundo em relação a frágil conjuntura econômica e social, agravadas pelo cenário político, no qual a população mais necessitada tem o esquecimento de seus representantes políticos, e estes a ganância do poder de representação, mas não de sua população, e sim dos seus próprios interesses.

Referências

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.

SPOSATI, Aldaiza de Oliveira. COVID-19 Revela a desigualdade de condições da vida de brasileiros. Revista NAU Social, v.11, n.20, p. 101–103 maio/out 2020.

Distritais aprovam plano de saúde vitalício para ex-deputados e familiares. G1, Distrito Federal, 21 de maio de 2020. Disponível em: < https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/05/21/distritais-aprovam-plano-de-saude-vitalicio-para-ex-deputados-e-familiares.ghtml>. Acesso em: 21 de maio de 2020.

KAFRUNI, Simone. Desigualdade que envergonha: crise da Covid-19 ampliará problemas sociais. Correio Braziliense, Distrito Federal, 20 de abr. de 2020. Economia. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/04/20/internas_economia,846332/desigualdade-que-envergonha-crise-da-covid-19-ampliara-problemas-soci.shtml>. Acesso em: 21 de maio de 2020.

FERNANDES, Augusto. Troca de cargos: militares do governo dão as mãos ao Centrão. Correio Braziliense, Distrito Federal, 10 de maio de 2020. Política. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/10/interna_politica,853128/troca-de-cargos-militares-do-governo-dao-as-maos-ao-centrao.shtml>. Acesso em: 21 de maio de 2020.

Sobre o autor:

Thompson Adans Rodrigues é Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 61.255 pela seccional do Distrito Federal. Vice-presidente da Comissão da Jovem Advocacia, Subseção do Núcleo Bandeirante, da Seccional de Brasília — Distrito Federal. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com bolsa de iniciação científica pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) no período 2017–2019.

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Revista organizada, desde 1991, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, com o objetivo de divulgar intervenções interdisciplinares e inovadoras.

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